Há dias em que a melhor opção é entrar pela porta dos fundos, no estralar de dedos, no calar da noite e da alma. Por que alguns caminhos são feitos de silêncios e estradas cercadas por muros de medo que construímos no ir e vir das ondas, no parar do tempo que cada um esconde. Por isso ando ziguezagueando por ai...
O que há de chegar pousa bonito, e é na leveza dos passos que a gente finca os pés na esperança. Se cair, levanta. Se ancorar, provoca algumas quedas, improvisa algumas pontes, desamarra algumas dores e segue. Por que caminho a gente sempre tem. Difícil é não se perder nele.
E tem dias que pesam em mim como se aqui dentro eu carregasse todas as palavras que um dia foram ditas e ouvidas, vomitadas, engolidas, gritadas e caladas por mim mesma, por alguém, por todos, por tudo que um dia fui sinônimo de reciprocidade e que hoje já não sou, ao pé da letra. Como se as flores arrancadas pelo caminho da vida de outrem, agora criassem vida própria aqui dentro do meu peito, e sentissem uma necessidade de brotar em cada parte do meu corpo, mas antes disso, se perdessem ao cair dentro dos poços abissais que a vida nos cava.
Como se os abraços agora me sobrecarregassem e os beijos tivessem amortecido meus lábios. Como se em cada caminho eu tivesse dado uma parte de mim - cedo aprendi que não se pede de volta o que se dá - e se eu não dei, perdi, esqueci, e não voltei pra buscar porque acreditava que lá na frente a parte vazia seria preenchida, e foi, mas o ciclo se tornou vicioso e isso já me é cansativo. Como se a saudade me doesse, ás vezes. A saudade de mim que já não sou aquela que fui um dia, como se alguém me fizesse ser a pessoa que eu era e gostava de ser. Como se agora me sou nostalgia, ontem eu fui alguém, e em algum amanhã eu serei de novo, algo melhor.
Não é que eu tenha deixado de amar você, meu coração continua amando todos os merecidos, é verdade que algumas atitudes me remetem muito mais mais amor do que outras. Mas o meu amor por você é diferente, e não me peça explicação. E não te julgo, cobro ou faço parecer a coisa mais inadmissível do mundo. Eu simplesmente vejo essas suas tentativas de abordar o mesmo assunto com muitas pessoas ou ex-relacionamentos como um naufrágio proposital. E, veja bem, você não está errado em tentar. Mas está errado em querer que eu acredite que comigo vai dar certo de novo. Sinto muito por não acreditar.
Eu acredito no amor, no meu amor. Mas estamos bem longe de fazer um encontro entre nossas definições desse sentimento sem regras. Eu ainda te quero bem, mas te ver buscar em mim, como eu vejo, dando aqueles mergulhos fatais em busca de algo que você queria que fosse para sempre e não foi pela primeira vez, me deixa sem expectativas. E eu ainda sinto muito por te ver fazendo essas acrobacias, tentando me fazer acreditar que comigo é diferente.
De forma condicional, pronominal, reflexivo eu te escrevo. Não é só a rotina nada pragmática das coisas. Eu não faço letras, muito menos as digiro. Ou dirijo. A realidade nem sempre é tão real. As coisas não são tão mutativas. “Se eu chegar a partir”. Sim, porque tenho sempre essa sensação palpitando na garganta. Sempre, porque ela nunca mais saiu de lá desde que eu resolvi um dia ser sincera com o mundo. E aí não valeu de nada. E posso garantir que não é o que eu quero. Como se fosse um pressentimento.
O meu crédito já está há muito vencido. Difícil mudar certos instintos, certas inflexões.
Como você sabe, já tive saudade de infinitas coisas e pessoas. E hoje estou tendo saudade de mim. Hoje veio diferente, senti tanta saudade de quem eu fui um dia e de saber que um dia eu já fui outra. Sim, tenho plena convicção de que não sou a mesma e não me importo em admitir esse grande detalhe da minha vida. Difícil definir isso, mas meus olhos sabem muito bem.
O que me cansa é me sentir analisada todo o tempo por pessoas que nadam sabem de mim, que me julgam por vivências do seu próprio passado. Como se me testassem, como se quisessem saber o que é melhor e o que é pior, o que é igual e o que é diferente. Eu não faço isso, não uso referências nem espero superação. Eu me entrego sem querer saber o que é e o que não é. Eu recebo como vem e não procuro saber se age igual ou diferente, se melhor ou se pior. Sentir que estou sendo avaliada assim me incomoda e, de alguma forma, me faz duvidar da verdade das coisas, porque isso não se faz. A gente está tão junto a ponto disso me incomodar, nem tão separado a ponto de não me machucar.
E durante esse tempo eu aprendi a revestir com camadas de coragem o que me impede de ver pequeno. De ver ruim. Com o tempo eu aprendi que as coisas não te ferem mais como antigamente, porque é dentro de você que as coisas permanecem intactas e bonitas. Com o tempo eu aprendi que às vezes não compensa gastar tempo se doando por inteiro pra uma pessoa que não sabe se dar. Pra uma pessoa que sonha baixo e afoga as ternuras num copo de ressentimentos sem gelo.
E claro que eu sou do tipo que acha o perdão algo supremo e necessário. Mas nem por isso sei aplicá-lo muito bem na minha vida. Perdão pra mim é como uma ferramenta mecânica, não sei usar mesmo. Já fui lá, fiz uma limpeza mental, conceitual e experimental pra tentar dar moradia a esse fulano no meu coração. Mas olha, houve rejeição. Pelo jeito ainda não consegui perdoar o próprio perdão. Pois é, ele já me enganou direitinho e mágoas sobraram. Mas eu busco em Deus esse aprendizado, e tento aceitar que nada posso fazer.
Talvez isso explique minha imensa dificuldade em conseguir abstrair o passado. De novo, o passado. Mas também o futuro, porque todo mundo sabe que os dois estão tão amarrados quanto a minha cara de quem não sabe perdoar. E eu não sei perdoar a ausência e muito menos a presença - indevidas de muitos, claro. Além do mais, sou absolutamente possessiva. E isso é o ingrediente complementar para não alcançar a dádiva do perdão, e também de Deus.
Não sei falar bonito, não sei quase nada sobre um monte de coisas e também não escrevo certo (nem por linhas retas). Nem é minha intenção. Faço orações, jejum, terapia, promessas, ou outro nome que você prefira dar. Eu falo do que sinto, do que vejo, do que sei. Nem mais, nem menos.
E mais do que nunca eu aprendi nos últimos dias que o amor não é pra todo mundo. E que tem gente que não sabe amar.
Nem ando conseguindo escrever bonito. Nem conseguindo dizer o que sinto. Acho até que nem ando conseguindo sentir o que sinto. Fica só essa sensação rasa. Esse toque feito vento.
Por ora eu não quero mais lamento, não quero mais dias cinzentos, não quero mais roda presa e nem angústia. Quero alegria, porque nós podemos, sabe? E andei pensando que é até pecado ficar triste tendo tudo o que nós temos.
Quero é agradecer e pintar florzinhas no canto da página, porque parece até que tô desaprendendo a construir carrossel colorido com um clip, um barbante e um palito de picolé. Quero voltar a dar minhas risadas altas e rir de mim mesma. Acordar e não ter que pensar em como resolver um problema que só o tempo pode resolver.
Decidi entregar minha vida e os meus problemas pra Deus. Decidi viver.
E se porventura um dia o meu peito apertar, eu vou me lamentar e chorar sim, porque lugar de coisa ruim é do lado de fora da gente.
Vivianne Oliveira